Avaliando a qualidade dos Portais Brasileiros de Dados Abertos Governamentais

Por Thiago Ávila e Rodrigo Hickmann Klein*

* Post publicado originalmente no Blog Áreas de Integração

Desde meados de 2011, com a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação – LAI e consequentemente, a existência do Portal Brasileiro de Dados Abertos (www.dados.gov.br) e aInfraestrutura Nacional dos Dados Abertos – INDA, o Brasil passou a constar no seleto grupo de nações globais a ofertar Dados Abertos Governamentais (DAG) em caráter institucional, em Portais oficiais para este propósito, assim como o Reino UnidoRússiaEstados Unidos da AméricaQuênia,Espanha e outras nações globais.

Todavia, em que pese a LAI estar em vigor há mais de 5 anos e o Art. 8º, §3, incisos II, III e IV serem muito claros quanto a determinação que os sítios que promovam o acesso a informação o façam:

II – possibilitando a gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos, inclusive abertos e não proprietários, tais como planilhas e texto, de modo a facilitar a análise das informações”;

III – o acesso automatizado das informações por sistemas externos em formatos abertos, estruturados e legíveis por máquina”; e ainda

IV – divulgar em detalhes os formatos utilizados para estruturação da informação”.

ou seja, como dados abertos governamentais, com exceção da União Federal e alguns poucos estados como AlagoasDistrito FederalRio Grande do Sul e São Paulo, e municípios como Recife,Fortaleza e Rio de Janeiro, o cumprimento desta determinação legal de ofertar informações como dados abertos governamentais, em portais adequados para este propósito, ainda é uma realidade aquém do que poderia ser no contexto federativo brasileiro. Por outro lado, diversos entes subnacionais vem disponibilizando Dados Abertos Governamentais não em portais próprios, mas como seções dos seus Portais de Transparência.

Neste contexto, a pesquisa de doutorado “Mecanismos de ampliação da transparência em portais de dados abertos governamentais brasileiros à luz da Accountability Theory”, realizada no âmbito do Programa de Pós Graduação em Administração da PUCRS [1], identificou mecanismos que ampliam a transparência dos Dados Abertos Governamentais (DAG), através da opinião de especialistas nacionais e, principalmente, pela opinião de pessoas que utilizam esses dados.

Nessa pesquisa os mecanismos são processos, arranjos e relacionamentos, que objetivam a ampliação da transparência, respeitando princípios. Cada princípio direciona um mecanismo que atende a metas, que utilizam e são monitoradas por indicadores, conforme descrito na Figura 1.


Figura 1 – Modelo conceitual da pesquisa (Klein, 2017)

 

Os princípios da transparência governamental, denominados Usefulness e Stewardship, definem que as informações disponibilizadas precisam estar adequadas ao propósito (utilidade) e ao uso (garantia) [2]. Para melhor compreender esses princípios, podemos compará-los ao uso de um medicamento que tem o propósito de resolver um problema de saúde, porém é necessário verificar se esse medicamento tem condições de uso, ou seja, verificar vencimento, condições de armazenagem, adulterações, dentre outros aspectos que podem tornar ineficaz o tratamento do problema. O mesmo ocorre com o DAG, primeiro é necessário identificar o seu propósito, que pode ser inovação, controle social, dentre outros, e posteriormente identificar suas condições para o uso.

Dessa forma, a transparência não é o propósito final, ela é um meio, uma forma de disponibilizar dados que atendam a um propósito [3]. No caso dos usuários de DAG, respondentes dessa pesquisa, o principal propósito era obter Dados Abertos Governamentais para conferência da prestação de contas governamentais e para a responsabilização de agentes públicos, não apenas no sentido de sanções previstas na legislação, mas na identificação dos responsáveis que estarão sujeitos a consequências diversas, tanto negativas quanto positivas. Normalmente, a responsabilização é um termo mais associado às consequências negativas. No entanto, entre as consequências positivas, podemos citar, como exemplo, a boa avaliação, a popularidade e a aprovação do governante por seus eleitores.

Nesse sentido, a pesquisa demonstrou a atuação da democracia participativa no contexto brasileiro, por intermédio das avaliações e opiniões coletadas de entidades de ativismo social, como por exemplo, a opinião de membros de Observatórios Sociais, que utilizam DAG para controle social. Como resultado de maior tangibilidade, a pesquisa resultou na criação do Índice de Transparência para Portais Brasileiros de Dados Abertos Governamentais (ITPBDAG), baseado em 18 critérios de qualidade que, segundo o referencial teórico da pesquisa, devem ser contemplados nestes Portais de Dados Abertos Governamentais.


Figura 2 – Critérios de avaliação do ITPBDAG (Klein, 2017)

Os 18 mecanismos resultantes da pesquisa, foram identificados a partir de pesquisas científicas atuais, a partir de sistemas de avaliações internacionais e nacionais, e pela análise da legislação federal sobre o assunto. Todos os mecanismos identificados foram considerados importantes, muito importantes ou extremamente importantes por 92% das pessoas que utilizam DAG. A partir desse grau de importância atribuído aos mecanismos, foi elaborado um índice para avaliar os portais nacionais que disponibilizam DAG para download, mantidos pela Administração Direta do Poder Executivo, analisados entre 05/01/17 e 24/03/17. Os cinco primeiros colocados foram os portais mantidos pelo Poder Executivo do Município de Recife, do Estado de Alagoas, do Município de São Paulo, do Município do Rio de Janeiro e o portal de DAG do Governo Federal.


Figura 3 – Resultados mensurados pelo ITPBDAG, nos Portais que disponibilizam Dados Abertos Governamentais no Brasil (Klein, 2017)

Entretanto, ainda há muito trabalho à frente, em prol da prestação de contas e da responsabilização por intermédio dos Dados Abertos Governamentais e a pesquisa demonstra os aspectos que podem ser aprimorados gradativamente.

Como exemplo, dentre os portais analisados muitos não apresentavam a maioria dos mecanismos identificados pela pesquisa. Além disso, poderiam existir mais portais que disponibilizam DAG para download, pois dentre os 88 municípios com mais 300.000 habitantes e as 27 Unidades Federativas, foram identificados somente 18 portais atualizados desde 01/01/2015.

A pesquisa completa está disponível em: http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/7724. A leitura desta tese é obrigatória para os interessados no assunto.

Até a próxima!!!

[1] Pesquisa acadêmica de doutorado realizada por Rodrigo Hickmann Klein, no âmbito do Programa de Pós Graduação em Administração da PUCRS, orientado pela Dra. Edimara Mezzomo Luciano.

[2] DAWES, S. S. Stewardship and usefulness: Policy principles for information-based transparency. Government Information Quarterly, v. 27, n. 4, p. 377-383, 2010.

[3] BALL, C. What is transparency?. Public Integrity, v. 11, n. 4, p. 293-308, 2009.”

3 thoughts on “Avaliando a qualidade dos Portais Brasileiros de Dados Abertos Governamentais

  1. Parabéns ao Rodrigo Klein por esta pesquisa, que é bastante relevante por identificar e expandir os princípios de dados abertos, bem como por propor uma metodologia de avaliação dos portais.

    Entretanto, é importante deixar claro que os resultados da análise, divulgados em dezembro, já nasceram com pelo menos 9 meses de atraso, considerando que as avaliações foram feitas entre janeiro e março. Nesse intervalo, houve uma série de atualizações no portal dados.gov.br que poderiam ter influenciado na avaliação: a criação dos catálogos de aplicativos e concursos, a federação com 24 outros catálogos de dados abertos, um aumento de 194% na quantidade de conjuntos de dados e a integração com o sistema de ouvidorias do poder executivo federal, o e-Ouv. Mesmo alguns conjuntos de dados que existiam à época da avaliação, como por exemplo o do orçamento federal, não foram levados em consideração. De todo modo, seria de extrema relevância atualizar a avaliação dos portais, considerando que o retrato ora apresentado já se encontra com quase um ano de defasagem.

  2. Muito interessante! Vou ler essa tese para compreender melhor os critérios da avaliação.
    Coincidentemente, ainda ontem tentei fazer uma avaliação por alto dos portais do estado de São Paulo e da prefeitura do Rio e fiquei surpreso por estarem bem colocados nos resultados obtidos pelo ITPBDAG.
    Nenhum dos conjuntos de dados da minha amostragem do portal da cidade do Rio seguia o princípio de dados primários, apenas dados sumarizados/totalizações. Já do estado de São Paulo apresentava muitos conjuntos de dados vazios, formulários de consultas em vez de arquivos/APIs …
    Sigamos cobrando e trabalhando por um governo mais aberto, por mais transparência …

    1. Olá Fabiano, obrigado pelo seu comentário.

      A Tese de Rodrigo Klein é bastante detalhada, onde ele explica toda a metodologia de construção do ITPBDAG. Cumpre ressaltar que a pesquisa foi feito num determinado momento é que a realidade ofertada nos PBDAGs é dinâmica.

      Eu já sugeri ao Rodrigo que busque meios para calcular o ITPBDAG anualmente e a sugestão está sendo analisada. Todavia a existência de um índice desta natureza já nos permite um diálogo bem mais propositiva sobre a qualidade dos Portais que ofertam Dados Abertos no Brasil.

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