Por Thiago Ávila*
O Decreto 9723, sancionado em 11 de março de 2019, foi o assunto mais comentado dos últimos dias na administração pública brasileira. Não é para menos, afinal ele altera três outros importantes decretos federais (8936/16, 9094/17 e 9492/18), “institui o Cadastro de Pessoas Físicas – CPF como instrumento suficiente e substitutivo para a apresentação de dados do cidadão no exercício de obrigações e direitos e na obtenção de benefícios”, cria obrigatoriedade para que o conteúdo das Cartas de Serviços ao Usuário esteja disponível no Portal de Serviços do Governo Federal (www.servicos.gov.br), institui a “Rede Nacional de Ouvidorias”, dentre outros benefícios proporcionados no âmbito da simplificação dos serviços públicos no Brasil.
Inicialmente é importante pontuar que o Decreto 9723/19 é mais uma “peça” no robusto conjunto normativo que o Brasil vem desenvolvendo no âmbito da desburocratização administrativa e simplificação de serviços ao usuário. Nos períodos mais recentes, destacamos às Leis 13460/2017 – Código de Defesa do Usuário do Serviço Público – e a Lei 13726/2018 – Racionalização Administrativa e Simplificação – como a “espinha dorsal” deste sistema de racionalização e simplificação administrativa, participação, proteção e defesa dos direitos dos usuários do serviço público.
Figura 1 – Linha do tempo normativa que instituiu o sistema de racionalização e simplificação administrativa, participação, proteção e defesa dos direitos dos usuários do serviço público.
Inovações trazidas pelo Decreto 9723/2019 ao Decreto 9094/2017 – o decreto da simplificação
Inicialmente, destacamos que o Decreto 9723/2019 corrigiu uma situação de paralelismo existente entre a Lei Federal 13.460/2017 e o Decreto Federal 9094/2017. Em que pese a existência de diversos pontos de convergência e ,em alguns casos, redundância de obrigações entre a lei e o decreto, o Decreto 9094/2017 até então era uma norma autônoma da Administração Pública Federal. Com a nova redação do caput do Decreto 9094/2017 trazido pelo Art. 1º do Decreto 9723/2019, a Lei 13.460/2017 passa a ser efetivamente regulamentada pelo Decreto 9094/2017 sendo agora uma norma complementar e mais detalhada do “Código de Defesa do Usuário” na Administração Pública Federal, com muitas inovações e benefícios, como o sistema de simplificação administrativa, operacionalizado pela ferramenta Simplifique!
A segunda inovação, e certamente a que está sendo mais comentada na sociedade e na imprensa brasileira consiste na inserção do teor do Art. 5º-A no Decreto 9094/2017, que posiciona o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF como chave principal (primária) para a identificação de pessoas para diversas bases de dados (e respectivos serviços providos por órgãos federais) como:
- Identificação do Trabalhador (NIT);
- Cadastro Programa de Integração Social – PIS ou o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – Pasep;
- Número e série da Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS;
- Número da Permissão para Dirigir ou da Carteira Nacional de Habilitação;
- Número de matrícula em instituições públicas federais de ensino superior;
- Números dos Certificados de Alistamento Militar, de Reservista, de Dispensa de Incorporação;
- Número de inscrição em conselho de fiscalização de profissão regulamentada;
- Número de inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CadÚnico; e
- Demais números de inscrição existentes em bases de dados públicas federais.
Figura 2 – O número do CPF passa ser suficiente e substitutivo para a apresentação dos dados de pessoas físicas existentes diversas bases de dados públicas do Brasil.
Cumpre ressaltar a existência de poucas exceções para esta nova e importante regra (previstas nos §1º, §2º e §3º), mas, conforme previsto no §5º deste mesmo Art. 5º-A, esta medida “pavimenta” a preparação para uma iniciativa ainda mais ousada e relevante para a sociedade brasileira que é o Documento Nacional de Identidade (art. 8º da Lei nº 13.444, de 11 de maio de 2017) e que simplificará e integrará de forma significativa o exagerado quantitativo de cadastros de pessoas físicas, leia-se “silos de informações”, existentes na administração pública brasileira.
A terceira inovação consiste da alteração no inciso II do Art. 18 e inserção do Art. 18-A no Decreto 9094/2017, instituindo uma forma mais integrada de divulgação do conteúdo das Cartas de Serviços ao Usuário para a sociedade. Em primeiro lugar, o Portal de Serviços do Governo Federal (www.servicos.gov.br) passa a ser definitivamente o repositório central das informações dos serviços do Governo Federal. Todas as informações sobre serviços federais sempre deverão possuir um hiperlink para o respectivo serviço catalogado no Portal de Serviços (nova redação do Art. 18,II do Decreto 9094/2017).
Em segundo lugar, o Portal de Serviços passa a ser um importante aliado do cidadão, pois, segundo o caput do Art. 18-A “Fica vedado aos órgãos e às entidades da administração pública federal solicitar ao usuário do serviço público requisitos, documentos, informações e procedimentos cuja exigibilidade não esteja informada no Portal de Serviços do Governo Federal”. Na prática, as unidades de atendimento de órgãos federais não poderão exigir, em nenhuma hipótese, informação ou requisito não previsto no Portal de Serviços.
Além de servir de instrumento de avaliação da conformidade dos requisitos para cada serviço, esta inovação proporciona uma garantia para o cidadão de que não será negativamente surpreendido, na hora de chegar no balcão de atendimento, com uma exigência não prevista anteriormente e que muitas vezes o obriga a retornar ao balcão em um outro dia, gerando mais custos para o cidadão e para o Estado. Por outro lado, tal medida é muito boa para o Estado, pois obrigará ao cidadão a sempre consultar o Portal de Serviços antes de se dirigir a um serviço, pois caso não cumpra com os requisitos publicados no Portal, não terá acesso ao serviço que necessita, especialmente quando considerado o teor dos §1º e §2º do Art. 18-A.
Figura 3 – Portal de Serviços do Governo Federal passa a funcionar como a base de informações do “acordo” em que cada cidadão possui com o Estado para ter direito a um determinado serviço público.
A quarta inovação consiste na ampliação do escopo do procedimento de simplificação de serviços públicos instituído pela redação original do Decreto 9094/2017 e conhecido como Simplifique! (www.simplifique.gov.br). Com as mudanças trazidas pelo Decreto 9723/2019, o Simplifique! passa a dialogar não apenas com o Decreto 9094/2017, mas também com a Lei 13460/2017, Lei 13726/2018 e toda a legislação correlata. Além disso, o disciplinamento do Simplifique! passa ser feito conjuntamente pela Controladoria-Geral da União e pelo Ministério da Economia, tornando o Simplifique! não apenas um instrumento de controle, mas também um instrumento de subsídios a governança, gestão e co-criação de inovações nos serviços públicos.
A quinta inovação consiste no detalhamento operacional de como o Governo Federal deverá cumprir a obrigatoriedade de avaliar a prestação dos seus serviços públicos, conforme previsto nos Arts. 23 e 24 da Lei Federal 13.460/2017, mediante a incorporação dos Arts. 20-A e 20-B no Decreto 9094/2017.
Inovações trazidas pelo Decreto 9723/2019 ao Decreto 8936/2016 – Plataforma de Cidadania Digital
A sexta inovação consiste em um conjunto de novas obrigações dos órgãos federais quanto a plena adesão à Plataforma de Cidadania Digital (regulamentada pelo Decreto 8936/2016). Inicialmente, para viabilizar o mecanismo de avaliação dos serviços públicos previsto na legislação brasileira, o novo Parágrafo Único do Art. 3º do Decreto 8936/16 determina que “Os órgãos e as entidades da administração pública federal deverão encaminhar à Secretaria de Governo Digital da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia os dados da prestação dos serviços públicos sob sua responsabilidade para composição dos indicadores do painel de monitoramento do Portal de Serviços do Governo Federal.” Esta medida é fundamental para o aprimoramento dos serviços públicos através de uma governança compartilhada entre às instituições responsáveis diretamente pela oferta de serviços e o ministério coordenador da política, neste caso o Ministério da Economia.
Ainda sobre as inovações ligadas a Plataforma de Cidadania Digital, todos os órgãos e entidades do Governo Federal deverão até o final do ano de 2019, implementar relevantes recursos já disponibilizados pela Plataforma de Cidadania Digital para a oferta dos seus serviços como: a ferramenta de avaliação da satisfação dos usuários prevista no Portal de Serviços e consequentemente do painel de monitoramento do desempenho dos serviços públicos; a “ferramenta de solicitação e acompanhamento dos serviços públicos” prevista no Portal de Serviços ou outra similar; e, especialmente, “adotar o mecanismo de acesso da Plataforma de Cidadania Digital na totalidade dos serviços públicos digitais à medida que os níveis de identificação e acesso contemplarem os requisitos mínimos de segurança exigidos pela natureza de cada serviço”, conhecido como Brasil Cidadão.
Figura 4 – O mecanismo de login único “Brasil Cidadão”, previsto pela Plataforma de Cidadania Digital, deverá ser adotado para toda a oferta de serviços federais até o final de 2019 com o advento das inovações trazidas pelo Decreto 9723/2019.
Inovações trazidas pelo Decreto 9723/2019 ao Decreto 9492/2018
Por fim, a sétima e última inovação trazida pelo Decreto 9723/2019 consiste no aprimoramento do Decreto 9492/2018 (o outro Decreto que regulamenta a Lei 13.460/2017 no Governo Federal e que trata especialmente do Sistema de Ouvidorias do Poder Executivo Federal). Com a inserção do Art. 24-A no Decreto 9492, “fica instituída a Rede Nacional de Ouvidorias, com a finalidade de integrar as ações de simplificação desenvolvidas pelas unidades de ouvidoria dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Na prática, esta medida irá articular a criação de um robusto sistema nacional de integração das ouvidorias públicas, sob a liderança da Ouvidoria-Geral da União que proporcionará para tais ouvidorias, sistemas de informação para automação das ouvidorias e implementação dos procedimentos de simplificação de serviços, compartilhamento de conhecimento para agentes públicos e a ampliação do escopo do Painel Resolveu!, já utilizado pelo Governo Federal para a geração de estatísticas em tempo real sobre às demandas dos cidadãos junto às ouvidorias públicas.
Figura 5 – O Painel Resolveu!, da Controladoria Geral da União, poderá acompanhar toda a movimentação de demandas da sociedade as ouvidorias públicas que integrarem a Rede Nacional de Ouvidorias.
O Decreto 9723/2019 consiste em uma excelente notícia para todos os brasileiros, especialmente para os envolvidos com a promoção e o desenvolvimento do Governo Digital e da simplificação e aprimoramento dos serviços públicos no Brasil. Para ser perfeito, o teor deste Decreto precisa evoluir talvez para uma Lei de abrangência nacional ou ainda ser incorporado pela regulamentação subnacional do Código de Defesa do Usuário em Estados e Municípios de todo o Brasil.
Entretanto, como nem tudo é perfeito, o Decreto 9723/2019, somado aos demais atos normativos relacionados, deixam o Código de Defesa do Usuário muito bem regulamentado em nível federal, exceto quanto aos Arts. 18 à 22 da lei que versa sobre os Conselhos de Usuários dos Serviços Públicos. Os Conselhos são instrumento de grande relevância para a consolidação do CDU e até o presente momento, temos conhecimento que apenas o município de São Paulo, através do Decreto Municipal nº 58.426/2018 regulamentou o funcionamento do seu Conselho de Usuários, sendo inclusive um exemplo a ser seguido por demais entes federados no Brasil.
Até a próxima!!!
Bom dia Sr Thiago Ávila
Excelente análise do Decreto 9.723/19, abordando as mudanças em cada uma das espécies normativas publicadas anteriormente, o que facilitou muito aqueles que têm a responsabilidade de fazer cumprir o Sistema de Simplificação e Desburocratização nos Órgãos em que atuam.
Muito obrigado Marcos Sancier.
Estamos sempre a disposição para apoiar as instituições públicas para que sejam mais transparentes e abertas. Sucesso.