“Habemus” Conselhos de Usuários de Serviços Públicos no Governo Federal – Decreto 10.228/2020

,O Decreto 10.228/2020, sancionado em 05 de fevereiro de 2020, foi recebido com muita satisfação por todas às partes interessadas atuantes na implementação da Lei Federal 13.460/2017 (Código de Defesa do Usuário do Serviço Público) no Brasil. Afinal, este Decreto veio a regulamentar no Governo Federal, o último pilar que ainda não havia sido regulamentado e que promove amplamente a participação e o controle social dos serviços públicos. Estamos falando dos Conselhos de Usuários de Serviços Públicos, conforme os artigos 18 a 22 da Lei 13.460/2017.

Este artigo continua a maior série de artigos disponíveis sobre a Lei 13.460/2017 disponíveis na internet brasileira, que você pode acompanhar aqui no Governos Abertos através deste link.

Sempre é importante destacar que o Decreto 10.228/2020 é mais uma componente no robusto conjunto normativo que o Brasil vem desenvolvendo no âmbito da desburocratização administrativa e simplificação de serviços ao usuário, que tem às Leis 13460/2017 – Código de Defesa do Usuário do Serviço Públicoe a Lei 13726/2018 – Racionalização Administrativa e Simplificação – como a “espinha dorsal” deste sistema de racionalização e simplificação administrativa, participação, proteção e defesa dos direitos dos usuários do serviço público.

Linha do tempo normativa - Código de Defesa do Usuário do Serviço Público

Figura 1 – Linha do tempo normativa que instituiu o sistema de racionalização e simplificação administrativa, participação, proteção e defesa dos direitos dos usuários do serviço público, contemplando o Decreto Federal 10.228/2020.

1. Demais inovações trazidas pelo Decreto 10.228/2020

Além da principal inovação trazida pelo Decreto 10.228/2020, outras inovações devem ser ressaltadas neste artigo, destacando as novas alterações geradas no Decreto 9.492/2018 que é o Decreto base de regulamentação do Código de Defesa do Usuário do Serviço Público no Poder Executivo federal.

Conforme os parágrafos inseridos no Art. 11 do Decreto 9.492/2018, a Controladoria-Geral da União passa a ter poder de aprovação sobre os titulares das Ouvidorias da grande maioria das instituições do Governo Federal, mediante um processo para nomeação, designação, exoneração ou dispensa dos titulares das unidades setoriais do Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo federal. Além disso, fica reforçado a priorização de que às manifestações sejam emitidas por meio eletrônico através da atual plataforma Fala.br (junção do antigo e-Ouv e do e-SIC), que é a Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação do Governo Federal

Por fim, o prazo para que um usuário apresente informações complementares caso sua manifestação original seja insuficiente foi reduzido de 30 (trinta) para 20 (vinte) dias. Tal medida é bem vinda, afinal, prazos menores costumam ensejar uma burocracia mais ágil e célere tanto para o Estado quanto para o usuário dos serviços públicos.

2. Os Conselhos de Usuários de Serviços Públicos no Poder Executivo federal

A primeira e relevante inovação sobre os Conselhos de Usuários dos Serviços Públicos está no teor do novo Art. 24-C trazido para o Decreto 9.492/2018. Este texto estabelece que “cada órgão ou entidade a que se refere o art. 2º criará um ou mais conselhos de usuários de serviços públicos”. Ou seja, prevê a possibilidade de diversos conselhos de usuários de serviços ligados a cada órgão ou entidade.

Art. 24-C.  Sem prejuízo de outros meios de participação dos usuários no acompanhamento da prestação e na avaliação dos serviços públicos, cada órgão ou entidade a que se refere o art. 2º criará um ou mais conselhos de usuários de serviços públicos, os quais não poderão exceder a quantidade de serviços previstos na Carta de Serviços ao Usuário de que trata o art. 11 do Decreto nº 9.094, de 2017.” (NR)”

Você pode estar pensando? Mas um único conselho não seria suficiente para tratar das demandas dos usuários? Pela nova regulamentação, a resposta aparentemente é não. E a justificativa, podemos inferir, é que cada serviço público possui seu respectivo público-alvo, impacto e requisitos específicos e que para isto, precisa ser acompanhado e fiscalizado por um conjunto específico de partes interessadas.

Continuando a leitura do texto do Art. 24-C entendemos os critérios para a potencial criação destes vários conselhos ([…]os quais não poderão exceder a quantidade de serviços previstos na Carta de Serviços ao Usuário[…]) . Ou seja, o Decreto 10.228/2020, de forma magistral e muito inteligente cria a seguinte situação:

  1. A existência dos Conselhos de Usuários de Serviços Públicos está diretamente relacionada aos serviços prestados pelo órgão ou entidade e que estão, de forma transparente, disponíveis na Carta de Serviços ao Usuário da instituição;
  2. No máximo, cada serviço público pode ter o seu Conselho de Usuários específico para tratar do determinado serviço (em uma situação de correspondência biunívoca entre o serviço público e seu respectivo Conselho de Usuários). É possível ainda que um mesmo Conselho de Usuários trate de um conjunto de serviços públicos (interpretação nossa).
  3. Desta forma, os Conselhos de Usuários serão muito mais focados e terão, em tese, condições de acompanhar e fiscalizar a execução e a qualidade de cada serviço, na riqueza de detalhe, atuando na garantia da efetividade do respectivo serviço.

Conceito de funcionamento dos Conselhos de Usuários dos Serviços Públicos

Figura 2 – Interpretação sobre o conceito de funcionamento dos Conselhos de Usuários dos Serviços Públicos no Poder Executivo federal.

Sem dúvida esta é uma grande inovação. Afinal, este modelo de Conselho é bastante diferente da maioria dos conselhos tradicionais vigentes, que costumam concentrar diversos assuntos de diversas complexidades para um mesmo “board” de executivos ou técnicos. Neste momento, imaginamos que o leitor deve estar com diversas dúvidas como:

  • E quem serão todas estas pessoas que irão atuar em tantos Conselhos de Usuários de Serviços Públicos?
  • E como estes Conselhos serão operacionalizados?

Para estas duas perguntas, o texto do Decreto também nos apresenta respostas, como veremos a seguir.

3. A sistemática de funcionamento dos Conselhos de Usuários de Serviços Públicos no Poder Executivo federal

O novo artigo 24-D trazido ao Decreto 9.492/2018 basicamente ressalta às atribuições dos Conselhos de Usuários previsto no texto da Lei 13.460/2017, onde o inciso III do Decreto contextualiza às atribuições dos incisos III, IV e V da supracitada Lei:

“Art. 24-D.  Os conselhos de usuários de serviços públicos são órgãos de natureza consultiva, aos quais compete:

I – acompanhar e participar da avaliação da qualidade e da efetividade da prestação dos serviços públicos;

II – propor melhorias na prestação dos serviços públicos e contribuir para a definição de diretrizes para o adequado atendimento ao usuário; e

III – acompanhar e auxiliar na avaliação da atuação das ouvidorias do Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo federal.” (NR)

3.1. A definição dos Conselheiros dos Serviços Públicos

Com base na primeira pergunta anterior (E quem serão todas estas pessoas que irão atuar em tantos Conselhos de Usuários de Serviços Públicos?) o novo artigo 24-E apresenta a resposta:

“Art. 24-E.  Os conselhos de usuários de serviços públicos serão compostos por usuários dos serviços públicos, selecionados dentre aqueles que se candidatarem mediante chamamento público conduzido pela unidade setorial do Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo federal responsável pela supervisão da execução do serviço público a ser avaliado.

Ou seja, os Conselhos de Usuários de Serviços Públicos serão compostos pelos próprios usuários de serviços públicos. Decisão mais acertada não há, afinal, os usuários são às pessoas mais acertadas para fiscalizar e demandar melhorias dos serviços que usam. Esta iniciativa inverte a lógica vigente de encaminhamento das soluções públicas que costuma ser das instituições para às pessoas, colocando os usuários no centro dos problemas e soluções. Trata-se de uma decisão correta e totalmente alinhada com as melhores práticas de gestão e desenvolvimento de serviços públicos vigentes no mundo inteiro. Os parágrafos do artigo 24-E disciplinam o processo de seleção dos conselheiros de serviços públicos:

“[…] § 1º  O chamamento público a que se refere o caput será realizado por meio que garanta ampla publicidade e que seja apto a alcançar, no mínimo, os usuários de serviços públicos cadastrados junto à unidade setorial do Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo federal.

2º  O usuário que quiser se candidatar informará os serviços públicos cujo conselho tenha interesse em participar.

3º  A unidade setorial do Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo federal responsável pela supervisão do serviço poderá adotar critérios adicionais de seleção que garantam a representatividade dos usuários inscritos no chamamento público a que se refere o caput.” (NR)

3.2. A operacionalização dos Conselhos de Usuários dos Serviços Públicos

No que tange a segunda pergunta (como estes Conselhos serão operacionalizados?) entendemos a resposta através dos novos artigos 24-F e 24-G.

“Art. 24-F.  Os conselheiros farão avaliações individualizadas dos serviços, as quais serão consolidadas eletronicamente, a fim de subsidiar as ações das unidades do Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo federal.

1º  A convocação dos conselheiros para as avaliações individualizadas dos serviços, nos termos do disposto no caput, deverá ser realizada, no mínimo, a cada doze meses.

2º  A participação nos conselhos de usuários de serviços públicos será considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada.” (NR)

Alinhados com a forte tendência de Transformação Digital no setor público, fica explícito que os Conselhos de Usuários de Serviços Públicos no Poder Executivo federal serão 100% digitais, onde os conselheiros atuarão remotamente, através de avaliações e ações eletrônicas de acompanhamento e fiscalização dos serviços federais.

“Art. 24-G.  O exercício das atribuições dos membros dos conselhos de usuários de serviços públicos ocorrerá por meio de sistema eletrônico específico integrado ao e-Ouv, a ser disponibilizado pela Controladoria-Geral da União no prazo de cento e oitenta dias, contado da data de publicação deste Decreto.

Parágrafo único.  O sistema de que trata o caput permitirá:

I – a realização de pesquisas de satisfação e de pesquisas de cliente oculto focadas nos usuários, a serem executadas pelos conselheiros;

II – a coleta organizada de dados acerca de sugestões de melhoria na prestação dos serviços avaliados;

III – a coleta organizada de dados acerca da avaliação do atendimento prestado pelas unidades setoriais do Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo federal; e

IV – o registro e a manutenção dos cadastros dos conselheiros.” (NR)

Já o artigo 24-G apresenta os requisitos da solução digital que proporcionará o trabalho dos Conselheiros. Será desenvolvida esta solução até meados do mês de agosto/2020 (180 dias após a sanção do Decreto 10.228/2020) que implementará as funcionalidades de aplicação de pesquisas de satisfação, coleta organizada de dados de sugestões de melhorias na prestação de serviços públicos bem como acerca do atendimento prestado pelas unidades setoriais do do Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo Federal.

3.3. A Governança da atuação dos Conselhos de Usuários dos Serviços Públicos

Quanto a governança desta grande operação digital de acompanhamento e fiscalização da qualidade dos serviços públicos a ser implementadas pelos milhares de Conselhos de Usuários digitais que existirão no Governo Federal, os artigos 24-H, 24-I e 24-J e 25 apresentam às diretrizes:

“Art. 24-H.  As unidades setoriais do Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo federal disponibilizarão, em sítio eletrônico atualizado:

I – a metodologia e os meios de consolidação dos dados coletados pelo sistema de que trata o art. 24-G, incluídos os algoritmos utilizados para o tratamento automatizado dos dados;

II – as informações consolidadas das avaliações e das sugestões coletadas pelo sistema de que trata o art. 24-G, por meio de relatórios ou painéis digitais; e

III – a metodologia e os critérios adicionais de seleção de que trata o § 3º do art. 24-E para convocação dos candidatos a conselheiros cadastrados, quando for o caso.” (NR)

“Art. 24-I.  O órgão central do Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo federal manterá em sítio eletrônico painel digital com as avaliações realizadas pelos conselhos de usuários de serviços públicos acerca da atuação das unidades do referido Sistema.” (NR)

“Art. 24-J.  O disposto neste Decreto não exclui mecanismos acessórios que garantam o acesso ao processo de avaliação dos serviços públicos por grupos amostrais digitalmente não inseridos.” (NR)

Art. 25-A.  O órgão central do Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo federal estabelecerá as diretrizes para as ações de estímulo à participação dos usuários nos conselhos de usuários de serviços públicos.” (NR)

Logo, às unidades do Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo federal tornarão transparente e disponível os mecanismos principais para esta governança dos Conselhos, como a metodologia e meios de consolidação dos dados relevantes, bem como as avaliações e sugestões de melhoria; o processo de seleção e gestão dos Conselheiros de Serviços Públicos; bem como todo o monitoramento será desenvolvido mediante painel digital de indicadores e informações relevantes. Ademais, outros mecanismos adicionais poderão ser desenvolvidos e haverá estímulo para a participação dos usuários nos Conselhos de Usuários de Serviços Públicos.

4. Breves comentários sobre os desafios e oportunidades trazidos pelo Decreto 10.228/2020 para os cidadãos brasileiros e para toda a Administração Pública (incluindo Estados, Municípios e demais Poderes da República)

Inicialmente, ressaltamos e parabenizamos o Governo Federal por apresentar uma proposta tão inovadora e disruptiva para o funcionamento dos Conselhos de Usuários de Serviços Públicos. Ao longo da nossa trajetória referente a implementação da Lei 13.460/2017, o volume de dúvidas sobre o funcionamento dos Conselhos de Usuários sempre foi muito grande. Na sua maioria, estas dúvidas traziam um limitador relacionado à percepção das pessoas de que os Conselhos de Usuários de Serviços Públicos deveriam funcionar com modelos parecidos com os demais Conselhos tradicionais, que são baseados em uma estrutura fortemente presencial e composta de um board de executivos ou técnicos que se reúnem regularmente. 

Em segundo lugar, a regulamentação federal vem ao encontro do que o Governos Abertos pontua deste o seu primeiro artigo sobre a Lei 13.460/2017, que esta Lei trouxe um robusto e INTEGRADO Sistema de Participação, Proteção e Defesa dos Direitos dos Usuários dos Serviços Públicos. A compreensão dos seis pilares (Carta de Serviços, Critérios de Qualidade, Manifestações de Usuários, Fortalecimento das Ouvidorias, Avaliação de Serviços e Conselhos de Usuários de Serviços Públicos) precisa ser compreendida e implementada de forma integrada, caso contrário, o Sistema não funcionará na plenitude. 

Figura 3 – Visão sistêmica do Sistema de Participação, Proteção e Defesa dos Direitos dos Usuários dos Serviços Públicos implementado pela Lei 13.460/2017.

Neste contexto, ponderamos que, apesar da Lei 13.460/2017 ter se popularizado de certa forma como a “Lei das Ouvidorias”, ela é muito mais do que isto. Apesar da relevância das Ouvidorias, somente o seu fortalecimento, de forma isolada, não é capaz de implementar todo o Sistema de Participação, Proteção e Defesa dos Direitos dos Usuários dos Serviços Públicos. A implementação da Lei 13460/2017 precisa ser política pública prioritária de todas as instituições públicas, considerando que tais instituições existem para servir a população mediante a entrega de serviços públicos.

Outra pergunta que nos perseguia relacionada aos Conselhos de Usuários é que todos estavam ansiosos sobre como o Governo Federal regulamentaria os Conselhos para possivelmente, implementar regulamentação semelhante ou compatível. Logo, para todas as demais instituições públicas dos demais Poderes da República, Estados e Municípios que esperavam a diretriz do Governo Federal ela está efetivamente posta, e bem posta. 

Todavia, o modelo do Governo Federal é bastante inovador e disruptivo e requer muito engajamento, apoio estratégico e forte mudança quanto a governança e gestão e serviços públicos. Ressaltamos que esta mudança na governança e gestão não deve ser tratada como algo opcional, mas sim como algo obrigatório e que deve ser acelerada com máxima intensidade, afinal, o Código de Defesa do Usuário do Serviço Público já está vigente em todo o Brasil desde o dia 17 de Junho de 2019.

Por fim, o Governos Abertos coloca-se a disposição de todos os interessados e instituições que desejem apoio especializado na regulamentação e operacionalização do Sistema de Participação, Proteção e Defesa dos Direitos dos Usuários dos Serviços Públicos. Oferecemos cursos, palestras e acompanhamento técnico no assunto, baseados em mais de três anos de forte dedicação, estudos e vivência teórica e prática sobre a Lei 13.460/2017, somado a grande vivência do nosso fundador na Governança e Gestão de Serviços Públicos. Para contar com nosso apoio especializado, basta fazer uma requisição através da seção respectiva em nosso sítio.

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E para conversar com vocês e tirar diversas dúvidas sobre o modelo de funcionamento dos Conselhos de Usuários de Serviços Públicos no Poder Executivo federal, queremos convidá-los para uma live especial com o Professor Thiago Ávila, que vai acontecer no próximo dia 19 de março de 2020, das 20 às 21hs, no Youtube, no link https://www.youtube.com/watch?v=F65OmIKq0Zs

Convite para a Live sobre os Conselhos de Usuários de Serviços Públicos

Clique no sininho no Youtube (Definir lembrete) e já agende este compromisso importante conosco. Vamos debater e interagir sobre os Conselhos de Usuários dos Serviços Públicos na administração pública brasileira.

Qual sua avaliação do modelo federal de implementação dos Conselhos de Usuários de Serviços Públicos? Deixe seus comentários e vamos interagir.

Até a próxima.

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