Um Brasil um pouco mais transparente, porém ainda muito pouco aberto (dados abertos)

Este artigo visa analisar algumas inovações no campo da Transparência Ativa e dos Dados Abertos que constam na Escala Brasil Transparente 360º – EBT 360º, nova versão da EBT calculada pela Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU), e que consiste atualmente do principal índice de transparência pública do Brasil e uma ferramenta de monitoramento da transparência pública em estados e municípios brasileiros (BRASIL, n.d. a). Cumpre ressaltar que, devido as mudanças metodológicas, os resultados das duas versões da EBT não são comparáveis.

  1. O que é a Escala Brasil Transparente 360º?

A Escala Brasil Transparente – Avaliação 360° foi divulgada em 12 de dezembro de 2018 e é uma inovação na tradicional metodologia de avaliação da transparência pública adotada pela CGU. Na EBT 360° houve uma mudança para contemplar não só a transparência passiva, mas também a transparência ativa (publicação de informações na internet). Com a aplicação dessa métrica, a CGU pretende aprofundar o monitoramento da transparência pública e possibilitar o acompanhamento das ações implementadas por estados e municípios na promoção do acesso à informação conforme previsto na Lei Federal 12.527/2011 – Lei de Acesso à Informação.

As Figuras 1 e 2 possibilitam a comparação da metodologia das duas versões da EBT, onde podemos perceber que diversos itens de transparência ativa, incluindo a abertura de dados (Dados Abertos) que passaram a ser considerados na Escala, o que registramos como um grande avanço institucional para o fortalecimento e aprimoramento da Transparência Pública no Brasil.

Figura 1 – Critérios de avaliação da Escala Brasil Transparente – 1ª versão.
Fonte: BRASIL (n.d. b)

Figura 2 – Critérios de avaliação da Escala Brasil Transparente 360º – 2ª versão

Fonte: BRASIL (n.d. c)

Considerando o escopo territorial, a CGU estabeleceu que a pesquisa da EBT 360º seria aplicada nos entes federados (Distrito Federal, Estados e Municípios) com população acima de 50 mil habitantes, resultando num total de 668 entes federados analisados. A distribuição proporcional de entes federados avaliados pela EBT 360º pelo total de entes federados por Unidade Federativa está disponível na Figura 3.

Figura 3 – Proporção de entes federados por UF pesquisados pela Escala Brasil Transparente 360º

Fonte: Elaboração Própria a partir de BRASIL (n.d. d).

Maiores informações sobre o critério de seleção dos entes federados pesquisados pela Escala Brasil Transparente 360º estão disponíveis na metodologia da pesquisa.

  1. É possível termos uma verdadeira Transparência Ativa sem Dados Abertos?

Antes de nos aprofundarmos sobre o objetivo deste artigo, vale a pena diferenciar, sob a nossa ótica, os conceitos de Transparência e Abertura de Dados. Entendemos que a Abertura de Dados consiste de um estágio avançado da promoção da transparência ativa, entretanto um estágio fundamental para que as políticas de Transparência atinjam os seus objetivos preconizados no âmbito do Governo Aberto que é o de promover a participação e a co-criação da sociedade para a promoção de Governos mais abertos, efetivos e responsáveis.

Segundo o dicionário Michaelis, algo que é transparente consiste de algo que “permite a passagem da luz, de modo que aquilo que está por detrás fica inteiramente visível (MICHAELIS, n.d. a). Por outro lado, algo que é aberto consiste de algo que “é exposto ao público; manifestado, patenteado, revelado” (MICHAELIS, n.d. b).

Do ponto de vista figurado, podemos comparar um elemento transparente com um elemento aberto se analisarmos a ilustração contida na Figura 4.

Figura 4 – Ilustração comparativa dos conceitos Transparente e Aberto

Fonte: Elaboração Própria.

Conforme a ilustração e considerando a definição do dicionário Michaelis, disponibilizar algo de modo transparente até permite que as pessoas tomem conhecimento dos dados e informações, mas somente a abertura é que permitirá que os interessados possam adentrar no setor público através dos dados disponibilizados e efetuar não somente o controle social, mas contribuir com a inovação e aprimorar o setor público e as relações do Estado e a sociedade. Por exemplo, este artigo somente está sendo possível de ser redigido porquê a CGU disponibilizou toda a base de dados abertos da pesquisa aplicada no âmbito da Escala Brasil Transparente 360º, onde foi possível fazermos outros tipos de análises que não foram publicadas junto às informações oficiais da pesquisa.

No campo do setor público, a CGU (BRASIL, n.d) acredita que a transparência é o melhor antídoto contra corrupção, dado que ela é mais um mecanismo indutor de que os gestores públicos ajam com responsabilidade. Uma gestão pública transparente permite à sociedade, com informações, colaborar no controle das ações de seus governantes, com intuito de checar se os recursos públicos estão sendo usados como deveriam.

Complementarmente, a Open Knowledge Foundation (OKF, 2015c), define Dados Abertos como dados que podem ser livremente usados, reutilizados e redistribuídos por qualquer pessoa – sujeitos, no máximo, a exigência de atribuição da fonte e compartilhamento pelas mesmas regras. Guimarães e Diniz (2014) complementam que tais dados devem ser publicados e distribuídos na Internet, compartilhados em formato aberto para que possam ser lidos pessoas e máquinas, permitindo o cruzamento com outros dados de diferentes fontes, para serem livremente reutilizados.

Com dados abertos disponíveis, abrem-se novas possibilidades para a sociedade, que vão desde a análise mais profunda das informações públicas por meio da correlação de diferentes bases de dados, até a criação de aplicativos que fazem uma leitura frequente de bases de dados públicas para fornecer soluções que beneficiem a sociedade ou que geram oportunidades de negócio (EAVES, 2009; NEVES, 2013).

Buscando exemplificar a aplicação dos conceitos apresentados sobre Transparente e Aberto e ilustrado na Figura 4, disponibilizamos na Figura 5 uma comparação entre os conceitos utilizando eventuais dados e informações do Mapa do Estado de Alagoas. Do lado esquerdo, o mapa é disponibilizado como uma imagem. Há transparência, afinal qualquer pessoa com acesso a internet pode obter esta informação. Já do lado direito temos o mesmo mapa, todavia num formato processável por máquina, permitindo que o usuário não somente obtenha e visualize a informação, mas que possa co-criar outros dados, informações e eventuais produtos e serviços a partir dos dados abertos disponíveis.

Figura 5 – Disponibilização de informação sobre o Mapa do Estado de Alagoas (formato imagem), promovendo transparência x disponibilização dos Dados Abertos do Mapa do Estado de Alagoas (formato JSON) no Portal de Dados Abertos do Estado de Alagoas (dados.al.gov.br), promovendo abertura.

Fonte: Elaboração Própria.

A partir dos Dados Abertos disponibilizados do Mapa do Estado de Alagoas, estudantes de graduação puderam desenvolver um aplicativo para smartphone que possibilita que o usuário possa interagir com diversos indicadores socioeconômicos de Alagoas. Este aplicativo foi o projeto de conclusão de curso de alunos do curso de Sistemas de Informação. Logo, os Dados Abertos proporcionam a possibilidade de co-criação e neste caso específico, a produção de conhecimento acadêmico.

Figura 6 – Fluxo simplificado da transformação dos Dados Abertos disponíveis sobre o Mapa de Alagoas em um Projeto de Conclusão de Curso em Sistemas da Informação.

Fonte: Elaboração Própria.

A produção e disponibilização de Dados Abertos no Brasil é algo priorizado no âmbito do Governo Federal brasileiro, que inclusive coordena o Portal Brasileiro de Dados Abertos (www.dados.gov.br), a Infraestrutura Nacional de Dados Abertos – INDA, que articula e consolida no dados.gov.br a oferta de dados abertos existente em diversos catálogos de dados abertos setoriais, desenvolve a Política Federal de Dados Abertos regida pelo Decreto 8.777/2016. Além disso, a relevância dos Dados Abertos está contida na política de Governança Digital do Governo Federal, regida pelo Decreto 8.638/2016 e revisada em 2018 (BRASIL, 2018) bem como na Estratégia Brasileira para a Transformação Digital, embasada pelo Decreto 9.319/2018.

Figura 7 – Objetivos estratégicos da Estratégia de Governança Digital do Governo Federal, destacando o fomento a disponibilização e o uso de dados abertos.

Fonte: BRASIL (2018).

Logo, podemos deduzir que o Governo Federal já possui o entendimento e desenvolve ações no âmbito do Governo Digital e do Governo orientado por dados onde os dados abertos são insumos de alta relevância. Infelizmente, os avanços do Governo central na temática de Dados Abertos não é uma realidade na grande maioria dos entes federados do país. Os dados tabulados pela pesquisa da Escala Brasil Transparente 360º ratificam este entendimento e serão comentados a seguir.

  1. Dados Abertos na Escala Brasil Transparente 360º

Conforme apresentado na Figura 2, a disponibilização de dados abertos pelos entes federados passaram a ser avaliados como critérios da EBT 360º. Na prática, de um total de 50 pontos possíveis na Transparência Ativa, os quesitos que abordam a temática Dados Abertos correspondem a apenas 2,5 pontos. São eles:

  • 6.d O ente federado permite gerar relatório de empenhos ou de pagamentos em formato aberto? – Vale 1,0 ponto caso a resposta seja positiva
  • 8.c O ente federado permite gerar relatório da consulta de licitações ou da consulta de contratos em formato aberto? – Vale 1,0 ponto caso a resposta seja positiva
  • 14. O ente federado publica em seu sítio oficial alguma relação das bases de dados abertos do município – Vale 0,5 ponto caso a resposta seja positiva

Considerando o total de respostas positivas dos entes federados as perguntas referentes a disponibilização de Dados Abertos, apenas 22 de um total de 669 entes responderam positivamente a resposta 14. Ou seja, podemos deduzir que a grande maioria dos entes federados do Brasil não possuem uma política ou pelo menos, um esforço estruturado para a disponibilização de Dados Abertos através de um catálogo ou relação de dados. As figuras 8 e 9 apresentam respectivamente a distribuição espacial dos catálogos ou relações de dados abertos captadas pela EBT 360º no território nacional, bem como a proporcionalidade do total de entes que responderam positivamente pelo total de entes federados pesquisados por UF.

Figura 8 – Quantidade de catálogos ou relações de Dados Abertos disponibilizados pelos entes federados pesquisados pela Escala Brasil Transparente 360º

Fonte: Elaboração Própria a partir de BRASIL (n.d. d).

Figura 9 – Proporção de entes federados que possuem catálogos ou relações de Dados Abertos disponibilizados pelo total de entes federados pesquisados pela Escala Brasil Transparente 360º

Fonte: Elaboração Própria a partir de BRASIL (n.d. d).

Analisando os demais quesitos da pesquisa relacionados ao tema Dados Abertos, os resultados são mais satisfatórios conforme apresentado nas Figuras 10 e 11. Todavia, considerando que se tratam apenas da disponibilização em formato aberto de dados que já são disponibilizados em formato não-aberto pelos Portais de Transparência, podemos deduzir que na maioria dos casos, estes resultados positivos são decorrentes de implementações tecnológicas para disponibilização dos dados em formatos abertos, mas não necessariamente pela existência de uma política pública de Dados Abertos ou pelo menos um esforço prioritário neste sentido.

Figura 10 – Proporção de entes federados que disponibilizam Dados Abertos sobre Empenhos ou Pagamentos pelo total de entes federados pesquisados pela Escala Brasil Transparente 360º

Fonte: Elaboração Própria a partir de BRASIL (n.d. d).

Figura 11 – Proporção de entes federados que disponibilizam Dados Abertos sobre Licitações ou Contratos pelo total de entes federados pesquisados pela Escala Brasil Transparente 360º

Fonte: Elaboração Própria a partir de BRASIL (n.d. d).

          4. Demais considerações

Neste contexto, avaliamos que a Escala Brasil Transparente 360º apresenta uma contribuição de grande relevância ao apresentar uma metodologia que privilegia a Transparência Ativa e ainda inclui critérios específicos sobre a disponibilização de Dados Abertos. Por outro lado, desejamos que esta Escala possa ser novamente aprimorada em breve, aumentando o seu escopo de exigência especialmente no que tange aos Dados Abertos. Ademais, registramos nosso ponto de vista que a pontuação (2,5 pontos) para os critérios da EBT relacionado aos Dados Abertos estão muito reduzidos considerando o potencial dos Dados Abertos para a promoção de uma política sustentável de Transparência Pública Ativa.

Considerando que ficou constatado, conforme os dados apresentados nas Figuras 8 e 9 que praticamente não existe uma preocupação e ações estruturadas em forma de política pública no nível subnacional para a produção e disponibilização de Dados Abertos, é desejável que numa eventual nova evolução da EBT, sejam inseridos novos critérios de avaliação neste sentido, como:

  • O ente federado possui política pública em desenvolvimento para a promoção da cultura de Dados Abertos na Administração Pública?
  • O ente federado regulamentou sua política de Dados Abertos?
  • O ente federado possui mecanismo de avaliação da qualidade dos Dados Abertos disponibilizados?

Ademais, parabenizamos novamente o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União pelo desenvolvimento da Escala Brasil Transparente 360º. Que todos nós brasileiros possamos atuar como agente de controle social exigindo dos governantes não apenas entes federados mais transparentes, mas especialmente, entes federados ABERTOS.

Os dados abertos tabulados para a elaboração deste artigo encontram-se disponíveis neste hiperlink.

Referências

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