Que Conselhos de Usuários nós precisamos para melhorar os serviços públicos com a Lei 13460?

Por Thiago Ávila

Os Conselhos de Usuários de Serviços Públicos consiste de um dos requisitos que mais estão gerando dúvidas na implantação do “Código de Defesa do Usuário do Serviço Público”, a Lei Federal 13.460/2017. Como faltam menos de dois meses (exatamente 60 dias) para a lei entrar em vigor, continuamos a nossa série de artigos preparatórios onde iremos abordar este importante tema.

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Inicialmente, há de se considerar que os conselhos consistem de instâncias de gestão e/ou participação social, cujo modelo está vigente no Brasil há bastante tempo no âmbito de diversas políticas públicas. Dependendo da sua natureza e atuação, podem ser instrumentos de alta relevância para a tomada de decisão bem como para produção de subsídios e conhecimento especializado para o solucionamento de questões complexas e que necessitem de uma compreensão multidimensional.

 

O Brasil possui inúmeros conselhos de políticas públicas para as mais diversas áreas de atuação do Poder Público

Figura 1 – O Brasil possui inúmeros conselhos de políticas públicas para as mais diversas áreas de atuação do Poder Público

Previsão legal da existência de Conselhos de Usuários

No contexto da Lei 13460, a legislação estabelece que “a participação dos usuários no acompanhamento da prestação e na avaliação dos serviços públicos será feita por meio de conselhos de usuários” (Art. 18o). Complementa ainda que tais conselhos são de natureza consultiva, ou seja, não terão poder de deliberação.

Ao propor o caput do artigo 18º, o legislador quis fortalecer os conselhos de usuários como instância representativa da participação dos usuários. Por outro lado, há de se ressaltar a existência atual de outros mecanismos relevantes de promoção da participação social, como as plataformas de participação como o Participa.br e o Colab, assim como outros instrumentos como às audiências públicas, dentre outras.

Plataformas de Participação são instrumentos modernos e relevantes para promover a representação participativa num mundo digital e conectado

Figura 2 – Plataformas de Participação são instrumentos modernos e relevantes para promover a representação participativa num mundo digital e conectado

Atribuições dos Conselhos de Usuários

Segundo o Art. 18º, os Conselhos de Usuários terão como atribuições:

“I – acompanhar a prestação dos serviços;
II – participar na avaliação dos serviços;
III – propor melhorias na prestação dos serviços;
IV – contribuir na definição de diretrizes para o adequado atendimento ao usuário; e
V – acompanhar e avaliar a atuação do ouvidor.”

 

Ao analisar tais atribuições surgem naturalmente questionamentos sobre como os Conselhos de Usuários darão conta de atividades tão amplas se não disporem de mecanismos que permitam mensurar, de forma massiva, a experiência de relacionamento dos usuários com os serviços públicos.

Por exemplo, como os conselhos “acompanharão a prestação de serviços públicos”? Individualmente, a cada serviço prestado? Mediante pesquisas de satisfação dos usuários, desta forma atuando em nível amostral?

Continuando, como os Conselhos de Usuários irão propor “melhorias na prestação de serviços”? Apenas reclamando dos serviços que não funcionam a contento? Desenvolvendo avaliações que permitam mensurar às reais causas dos serviços ineficientes, sejam elas de natureza orçamentária, financeira, de gestão?

Por ser um conselho consultivo, qual o nível de autonomia que estes conselhos terão para acompanhar e avaliar o trabalho dos ouvidores? E como se dará esta avaliação? Tais avaliações terão impacto na melhoria das políticas e ações das Ouvidorias e consequentemente da qualidade dos serviços públicos?

Composição dos Conselhos de Usuários

Já no artigo 19º, a Lei 13460 aborda a composição dos Conselhos de Usuários. Tal composição deve observar os critérios de representatividade e pluralidade das partes interessadas, com vistas ao equilíbrio em sua representação.

Neste artigo a Lei deixa a composição do Conselho de Usuários num espectro bem aberto. Considerando que os serviços públicos possuem uma natureza de temáticas variadas, tendo serviços voltados ao cidadão, as empresas, a academia, ao servidor público, como garantir este equilíbrio na sua representação?

Em diálogo com especialistas envolvidos com a implantação da Lei 13460 em todo o Brasil, a definição da representação no Conselho de Usuários tem sido uma dúvida recorrente. Em algumas localidades, os principais conselhos de políticas públicas como os da área de educação, saúde, assistência social, etc, reivindicam representação no Conselho de Usuários.

Por outro lado, noutras localidades, a existência de um Conselho de Usuários é fortemente questionada mediante a alegação que os demais conselhos já desempenham atividades de monitoramento da qualidade dos serviços públicos.

Na nossa análise, quanto a sua composição, o Conselho de Usuários deve contemplar majoritariamente representantes de instituições com perfil de defesa dos direitos dos usuários. No âmbito governamental, instituições como as Ouvidorias e os PROCONs desempenham tais atividades com dedicação.

Complementarmente, é desejável que o Conselho tenha um representante de um órgão de natureza estratégica, que tenha atuação próxima ao Chefe do Poder de abrangência do Conselho de Usuários de tal maneira que o Conselho tenha força política para desempenhar suas atribuições de forma propositiva e que tenha capacidade de resolução das demandas dos usuários.

O Terceiro Setor é muito bem vindo no Conselho de Usuários. Sua capacidade flexível de desenvolver projetos socioeconômicos bem como o seu envolvimento direto com segmentos da sociedade certamente irá proporcionar um melhor entendimento da realidade e desafios dos usuários dos serviços públicos.

A presença da Academia é extremamente desejável no Conselho de Usuários. A academia tem muitos recursos e conhecimento adequados a compreensão, diagnóstico, formulação, acompanhamento, monitoramento e avaliação de problemas complexos, como as políticas públicas. Logo, a representação da academia pode ensejar o desenvolvimento de projetos de pesquisa visando a melhoria dos serviços.

A representação empresarial no Conselho de Usuários também é estimulada, considerando toda a gama de serviços G2B (Governo para Setor Produtivo) existentes. Além disso, o dinamismo do setor produtivo poderá trazer ricas contribuições de melhoria para os serviços públicos e consequentemente o ambiente de negócios.

Para todos os segmentos, sua representação deve ser estabelecida mediante processo aberto ao público, conforme estabelecido pelo Parágrafo Único do artigo 19. Neste processo seletivo deverão ser estabelecidos critérios objetivos quanto a experiência e capacidade inovativa desses representantes de tal maneira que possam ter atuação propositiva no Conselho de Usuários com foco na simplificação e modernização dos serviços públicos. No que tange à representação governamental, podem haver membros natos, como as Ouvidorias e os PROCONs, e membros rotativos. 

Avaliamos que o modelo da hélix quadrupla, que visa proporcionar sinergia entre o Governo, Academia, Setor Produtivo e Terceiro Setor pode ser um modelo de composição bastante adequado para os Conselhos de Usuários dos Serviços Públicos.

O modelo da hélix quadrupla adequado a uma proposta de composição dos Conselhos de Usuários dos Serviços Públicos

Figura 3 – O modelo da hélix quadrupla adequado a uma proposta de composição dos Conselhos de Usuários dos Serviços Públicos

Demais requisitos dos Conselhos de Usuários

Ademais, o artigo 20 destaca que o Conselho de Usuários poderá ser consultado quanto à indicação do ouvidor. Já o artigo 21 aponta que a participação do usuário no conselho será considerada serviço relevante e sem remuneração. Por fim, o artigo 22 estabelece que a organização e o funcionamento do Conselho de Usuários deverá ser regulamentado especificamente por cada Poder e esfera de Governo. Tal medida, apesar de proporcionar liberdade e adaptabilidade no funcionamento dos Conselhos de Usuários, pode criar uma heterogeneidade de difícil governança.

Considerações sobre a relevância e funcionamento dos Conselhos de Usuários

Por fim, entendemos que a Lei 13460 deveria ter valorizado outros mecanismos de participação social, como as plataformas digitais, e poderia ter sido um pouco mais específica apresentando regras gerais de organização e funcionamento dos Conselhos de Usuários.

Avaliamos que tais Conselhos de Usuários, para terem efetividade, terão que dispor de um perfil moderno, dinâmico e digital, mantendo uma relação muito próxima e proativa com usuários e prestadores de serviços públicos.

Neste contexto, os Conselhos de Usuários poderão se apropriar de plataformas de participação digital para estreitar o relacionamento com a sociedade. Por outro lado, a disponibilização de Dados Abertos sobre os serviços ofertados pelo Poder Público e o teor das avaliações emitidas pelos cidadãos para os serviços públicos servirão de insumo relevante para a atuação dos Conselhos de Usuários.

Avaliamos que, para alcançarem êxito, os Conselhos de Usuários de Serviços Públicos devem ter um perfil bem diferente da maioria dos Conselhos de políticas públicas vigentes no Brasil. Sem dinamismo e capacidade de relacionamento massivo com os usuários de serviços públicos, os Conselhos de Usuários provavelmente não cumprirão o papel para qual o legislador previu no âmbito da Lei 13460.

Por fim, ressaltamos que devem ser desenvolvidos outros instrumentos complementares de acompanhamento e avaliação de serviços públicos que permitam a participação direta do usuário interessado pela melhoria do serviço. Neste contexto, instrumentos como o Simplifique!, desenvolvido pela Ouvidoria Geral da União no âmbito do Decreto Federal 9094/2017 e o uso do Portal Reclame Aqui! como recurso de manifestação dos usuários vem ao encontro do perfil moderno e digital que o Estado deve ter em prol de um cidadão cada vez mais conectado, exigente e farto de não receber serviços públicos compatíveis com a carga tributária que desembolsa mensalmente.

Plataformas como o Reclame Aqui! auxiliam o Poder Público a mensurar dinamicamente a satisfação do usuário com o serviço público

Figura 4 – Plataformas como o Reclame Aqui! auxiliam o Poder Público a mensurar dinamicamente a satisfação do usuário com o serviço público

No próximo artigo da série, quando faltarão apenas um mês para a Lei Federal 13460/2017 entrar em vigor, continuaremos o diálogo a partir deste ponto, explorando os mecanismos de avaliação dos serviços públicos previstos no “Código de Defesa do Usuário do Serviço Público”.

Até a próxima.

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